Nova modalidade de família tenta usar legislação que reconhece união estável
O 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro registrou união poliafetiva entre duas mulheres e um homem no dia 1/4.
Leandro Sampaio, 33, Thais Souza e Yasmin Nepomuceno, ambas 21, oficializaram seu relacionamento através da escritura lavrada pela tabeliã Fernanda Leitão, responsável pelo cartório localizado na Rua do Ouvidor, no Centro, e com filial na Barra da Tijuca.
O relacionamento poliafetivo tem sido mais amplamente debatido na sociedade, embora ainda careça de mais espaço para que as informações aflorem. Desde o fim do ano passado, o Cartório 15, que é especialista em Direito de Família, vem levantando a questão e propondo a reflexão.
“O que importa no Direito de Família é a relação de afeto que existe entre as pessoas. Qualquer tipo de união estável existe sem o papel (escritura). O papel vai servir para ratificar e regular aquela relação”, explica a tabeliã Fernanda Leitão, destacando que para a Constituição, o conceito de família é plural e aberto.
A oficialização da primeira união poliafetiva pelo Cartório 15 – neste caso, entre três mulheres; o primeiro no Brasil – já rendeu um importante reconhecimento deste modelo de família.
Uma das companheiras conseguiu inserir as demais no plano de saúde de sua empresa, ato somente possível por conta do registro da união lavrada pelo 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, em outubro do ano passado.
A nova família – formada por uma empresária (34), uma dentista (32) e uma gerente administrativa (34) – quer agora em 2016 gerar um filho, que terá os três sobrenomes na certidão, tratando-se, portanto, de um registro multiparental.
A união oficializada pela tabeliã Fernanda Leitão inclui testamentos vitais e de bens. O próximo passo da nova família é pleitear pensão previdenciária e declaração conjunta no Imposto de Renda.
Obstáculos e brechas
“Tudo que você faz que é diferente do padrão, é complicado” , protesta o servidor público Leandro Jonattan Sampaio. “O fato da nossa união estável é importante não só para o nosso relacionamento, mas para sociedade em geral.”
O artigo 1.723 do Novo Código Civil diz que a união estável é uma entidade familiar entre homem e mulher, exercida contínua e publicamente, semelhante ao casamento.
Hoje, é reconhecida quando os companheiros convivem de maneira duradoura e com intuito de constituição de família. E, sobre núcleo familiar, por sua vez, o Código define que é um grupo de pessoas ligadas entre si por relações pessoais e patrimoniais resultantes do casamento, da união estável e do parentesco.
Esses são os argumentos que ajudam a ratificar as uniões estáveis que fogem do padrão.
Tanto a união de Leandro, Yasmin e Thaís quanto a primeira união poliafetiva de três mulheres, realizada no fim do ano passado, só foram possíveis por uma brecha no Código Civil que simplesmente não especifica se outros modelos de relacionamento não constituem uma união estável.
“O nosso entendimento é que o que não é vedado, é permitido. Por isso, tais uniões podem ser oficializadas com o documento de união poliafetiva. Em breve, acreditamos que teremos decisões do Supremo, validando estas uniões, tal e qual aconteceu no caso das uniões homoafetivas”, afirma Fernanda Leitão.
Tanto para Leandro quanto para Fernanda, a sociedade vive mais um dos processos de evolução de direitos fundamentais – como o de constituição de família-, compreendendo lentamente os verdadeiros elos que fundamentam os relacionamentos poliafetivos.
Debater para conhecer
Por isso, com o intuito de levar a sociedade a discutir mais o assunto, o 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro organizou um debate na Casa do Saber do Rio de Janeiro sobre Poliamor. O encontro ocorreu no dia 18 de fevereiro e, com auditório lotado, reuniu a tabeliã Fernanda Leitão, o cineasta e diretor da série Amores livres do canal GNT, João Jardim; e o advogado e professor titular de Direito Civil da Uerj, Gustavo Tepedino.
Mais recentemente, no dia 10 de março, uma intervenção urbana no Baixo Gávea, também promovida pelo Cartório 15, despertou a curiosidade nas ruas cheias, por onde o público passava. Quase dez artistas atravessavam de um lado para o outro, numa espécie de dança sem música. Com trocas de olhares carinhosos, abraços e muito respeito, além da figura representativa da proteção de um guarda-chuva, os atores lançaram o tema do poliamor com uma abordagem menos objetiva.
A expectativa de Leandro e sua família, do trisal de mulheres e do Cartório 15 é que a sociedade procure refletir sobre todas as questões que fundamentam o assunto.
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