Disputa interna ameaça rachar o poder na Bolívia

A corrida pelas próximas eleições presidenciais de 2025 na Bolívia parece ter começado antecipadamente dentro do partido governante Movimento ao Socialismo (MAS). O embate entre as facções lideradas pelo ex-presidente Evo Morales e pelo atual governante, Luis Arce, está se intensificando, e um pesquisador de comunicação política do país alerta que o resultado dessa disputa pode ser "desastroso" para o "bloco nacional e popular" que atualmente governa a Bolívia.

De acordo com os dados mais recentes do censo boliviano, 40,6% da população se declara indígena. Apesar disso, Evo Morales foi o primeiro presidente indígena eleito em 2005, depois de um período de empobrecimento do país. Entre 1998 e 2002, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita caiu 20% e o desemprego dobrou. Durante seu mandato, o ex-líder sindical implementou políticas de redistribuição de renda, mas foi forçado a deixar o poder após um golpe de Estado em 2019.

Após um governo provisório liderado por Jeanine Áñez, que atualmente está presa, Luis Arce foi eleito presidente em 2020. Arce, ex-ministro da economia de Evo, não era a escolha ideal das bases do MAS, como explica o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Clayton Cunha Filho.

Segundo o pesquisador, os sindicatos e movimentos populares que compõem o partido preferiam que o atual vice-presidente, David Choquehuanca, liderasse o partido. No entanto, Evo vetou essa configuração e optou por uma solução intermediária com Arce na liderança.

Cunha Filho destaca que a separação entre Evo e Choquehuanca começou em 2019, quando Evo recorreu ao judiciário para concorrer a uma reeleição. A Constituição boliviana proíbe Evo de participar de um novo pleito, e o então presidente convocou um referendo para tentar garantir sua candidatura. Embora tenha perdido, Evo apresentou um recurso ao Tribunal Constitucional, que foi aprovado. Essa tentativa de Choquehuanca de se viabilizar como candidato teria desagradado Evo, de acordo com o professor da UFC.

A tensão entre as facções aumentou desde o início do governo de Arce, com Evo direcionando críticas aos ministros e às escolhas do novo presidente. No dia 25 de junho, o ex-presidente afirmou que o governo havia "infelizmente" se movido para a direita.

Disputa interna ameaça rachar o poder na Bolívia

O analista político boliviano Manoel Mercado, que também é militante do MAS, argumenta que a atual crise dentro do partido governante é resultado do fim do "modelo de tomada de decisões dentro do MAS" após o golpe de Estado de 2019. Com Evo afastado da presidência, diferentes correntes internas disputam a liderança, afirma Mercado.

Mercado discorda da avaliação de Evo de que o governo tenha se inclinado para a direita e destaca que as facções em disputa dentro do MAS têm a mesma posição ideológica. No entanto, ele alerta que os processos democráticos internos do partido, como prévias e renovação dos quadros, estão em risco.

Cunha Filho compartilha dessa percepção, afirmando que o governo Arce não está seguindo para a direita e que o conflito atual não é "programático", mas sim uma disputa de liderança, pois Evo deseja retornar à presidência.

O pesquisador da UFC também destaca um elemento geográfico na disputa, mencionando a rivalidade entre a província de Chapare, ligada a Evo, e a cidade de El Salto. Segundo ele, algumas regiões que apoiam o MAS e sentiram-se negligenciadas estão aproveitando a disputa de lideranças para reequilibrar as forças internas do partido em termos regionais.

A tensão atingiu seu auge quando o sindicato Central Obera Regional (ONA) decidiu não convidar Evo e proibir sua presença nas festividades de aniversário da cidade. Outro ponto de tensão envolve Eva Copa, a atual prefeita de El Salto. Ela planejava concorrer à prefeitura pelo MAS, mas Evo defendia outro candidato. Copa deixou o partido e venceu a eleição na segunda cidade mais populosa do país com 68,7% dos votos.

A disputa pelo poder agora deve se intensificar no próximo Congresso do MAS, marcado para os dias 3, 4 e 5 de outubro. Evo atualmente preside a Direção Nacional, mas deve enfrentar resistência. A ministra das Culturas, Sabina Orellana, afirmou ao Página Siete que o governo de Arce pertence "ao povo" e que é necessário haver "renovação" para evitar que as pessoas "se apegem aos cargos".

"Somente a unidade e o acordo entre essas duas lideranças, Luis Arce e Evo Morales, podem garantir a união e evitar a divisão do bloco nacional-popular. Somente isso pode dar ao MAS, novamente, opções reais de poder. Porque, em qualquer caso, uma divisão pré-eleitoral seria desastrosa para todo o processo de mudança que vivemos na Bolívia", alerta Manoel Mercado.