Uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará relaciona casos de bebês que estão nascendo com malformação congênita ou desenvolvendo puberdade precocemente, na comunidade de Tomé, na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte, com o uso abusivo de agrotóxicos na região. Alimentos, água e solo estão contaminando as famílias, segundo a pesquisa.
Médica, professora e autora da pesquisa, Ada Pontes Aguiar escolheu oito famílias da comunidade cujos bebês nasceram sem os membros superiores e inferiores, condição conhecida como focomelia; com malformação no coração; ou apresentaram surgimento de mamas e pelos pubianos ainda com um ano de idade. O estudo investiga a herança negativa do agronegócio na região.
"É uma comunidade rural rodeada por plantações de fruticultura irrigada voltada para exportação. Todos os oito pais trabalham manipulando agrotóxicos, alguns por décadas. As mães nunca atuaram diretamente, mas a maioria nasceu na comunidade e tem uma exposição importante", diz a pesquisadora.
Uma dessas mãe é Márcia Xavier. Quando a filha estava com um ano e três meses, Márcia notou o surgimento de mamas e levou a menina à pediatra. A médica indicou uma dieta, que a criança segue até hoje, quatro anos depois.
Filha do ativista conhecido como Zé Maria de Tomé, assassinado a tiros em 2010 por denunciar o uso indiscriminado de agrotóxicos em Limoeiro do Norte, Márcia convive com as consequências venenosas do produto desde criança. No entanto, inicialmente, não relacionou o aparecimento precoce das mamas na filha com a presença do agrotóxico.
Segundo Ada Pontes, a indústria do agronegócio começou a ocupar a região nos anos 2000. A pesquisadora acompanha a comunidade desde 2013. Os casos investigados na pesquisa surgiram a partir de 2014.
"Ela [filha de Márcia Xavier] está estabilizada porque continua com a dieta. Mas percebi que, fora essa vez que foram feitos exames, já tiveram duas vezes que aumentaram [as mamas] de novo. Quando a Ada foi fazer a pesquisa também constatou que ela [a filha] estava com mama crescida", conta Márcia. Na época da pesquisa, Márcia estava casada com o pai da filha, que trabalha com plantação e irrigação há anos.
Ela não sabe a que tipo de produto o ex-marido e a família foram expostos cotidianamente. Mas puxa pela memória os alertas do pai Zé Maria. "Eu nunca tive contato com a substância, mas ele falava da problemática e do uso abusivo", comenta. Márcia conta ainda que um primo da família que lidava com agrotóxicos terminou recentemente tratamento de câncer, doença que os médicos acreditam ter sido consequência do trabalho.
Pesquisa de 2015 mostra que, devido à exposição a altos níveis de agrotóxico, o índice de câncer em Limoeiro do Norte é 38% maior que nas cidades onde não há grandes lavouras, e os casos de malformação de bebês é 75% mais comum que no restante do Brasil.
Em meio a polêmicas, a Câmara dos Deputados analisa projeto que flexibiliza as regras para produção, comercialização e distribuição de agrotóxicos no país. O projeto é criticado por autoridades da área da saúde e por ambientalistas. No último dia 20 de junho, uma mala de plástico com uma simulação de bomba foi deixada no plenário na hora da sessão.
Conforme pesquisadores, quando a mãe se expõe ao agrotóxico, pode passar a substância tóxica para o bebê por meio da amamentação. Na família, o contato com o veneno pode ser por meio da alimentação, ingestão de água ou até mesmo pelos resíduos trazidos na roupa do marido, que convive diretamente com o agrotóxico no trabalho e não recebe equipamentos de proteção adequados.
O estudo da Faculdade de Medicina mostra que foram encontrados agrotóxicos em amostras de sangue e urina coletadas nas famílias da comunidade de Tomé. De acordo com a médica Ada Pontes, de 19 amostras, 11 mostraram organoclorados. O produto é proibido no Brasil desde a década 1980, considerado muito tóxico e perigoso por se acumular no organismo, podendo causar câncer, segundo ela.
A substância foi encontrada em genitores cujos filhos apresentaram malformações congênitas ou puberdade precoce, e nas próprias crianças. Com a revelação, a pesquisadora levanta as hipóteses de uso ilegal do produto ou acúmulo no organismo por décadas.
A Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará (Adagri) é responsável pela fiscalização do uso de agrotóxicos nas fazendas e empresas. De acordo com o diretor de sanidade vegetal da Adagri, Tito Carneiro, não existem registros recentes do uso de organoclorados no estado.
A Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) afirma que "não registra produtos que contenham organoclorados desde a sua proibição".
As crianças apresentaram ainda piretroide na urina, um outro tipo de agrotóxico que, ao contrário dos organoclorados, é rapidamente metabolizado. Portanto, a presença dele no organismo indicava contato recente com a substância.
A pesquisa também revelou que em seis de sete domicílios cuja água foi avaliada o resultado mostrou pelo menos um ingrediente ativo de agrotóxico.
Risco ao desenvolvimento
Ao desenvolver prematuramente a puberdade, as crianças estão sujeitas a uma série de problemas da área hormonal, de desenvolvimento cognitivo, social e psicológico, aponta a médica. "É uma série de repercussões. Algumas delas, se tiver sido muito antecipado, terão que tomar hormônio de crescimento."
No caso de bebês com malformação congênita, muitos não sobrevivem, outros convivem com problemas cardíacos.
Pela idade, as crianças são mais suscetíveis aos problemas causados pelo contato e consumo de agrotóxicos. Não conseguem metabolizar o produto, e a concentração do produto tóxico no corpo de uma criança, ou seja, de menor massa, potencializa a intoxicação.
"Pra elas é algo muito tóxico. Elas estão mais próximas do chão, têm costume de botar mão no chão, brinquedo na boca, o contato é maior. Eles vão se acumulando e causando danos que podem ser irreversíveis", afirma Ada Pontes.
Estudo
O grupo acadêmico Núcleo Trabalho, Ambiente e Saúde (Tramas), vinculado à Faculdade de Medicina da UFC iniciou estudos na região em 2007, a partir de denúncias de movimentos e lideranças comunitárias sobre os impactos do agrotóxico utilizado por empresários do agronegócio.
A pesquisa da médica e professora Ada Pontes, iniciada em 2013, é um recorte da situação naquela região. Outros estudos já feitos na área trazem relatos sobre câncer, abortos, prematuridade, entre outras doenças, denúncias de moradores, religiosos, movimentos sociais e pesquisadores.
O estudo da professora destaca ainda que "o mercado de agrotóxicos no Brasil cresceu 288,41% na receita e 162,32% na quantidade de toneladas vendidas, entre os anos 2000 e 2012". Levando o país ao primeiro lugar no ranking mundial de consumo dos agrotóxicos, desde 2008.
Fonte G1-CE
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