Carta aberta aos assaltantes de rua de Quixadá







Senhores assaltantes,

Considerando que os senhores já roubaram tantos celulares modernos em nossas ruas, partimos do pressuposto de que terão acesso a esta mensagem via internet.
Nós nos dirigimos aos senhores porque fazê-lo ao Governador do Estado para que ele dê um jeito nos senhores não tem sido muito produtivo ultimamente. Como as doenças causadas pelo mosquito, os senhores tem se proliferado exponencialmente em nosso município. Não os cumprimentamos pelo êxito em suas atividades, dado que somos cidadãos de bem (entendam direito: de bem, não de bens), mas reconhecemos que vocês tem tido muito sucesso no que fazem.

Esta é, na verdade, para dizer aos senhores que, na impossibilidade de exterminarmo-nos mutuamente, e posto o fato de que os senhores precisam de nós para continuar roubando, é necessário, para equilíbrio de nossas relações, estabelecermos ao menos algumas regras básicas de convivência. E se propomos isto, é porque embora os vejamos como marginais, ainda acreditamos na humanidade dos senhores. Aliás, há tempos convivemos com criminosos muito mais perigosos em Brasília.

A primeira coisa que solicitamos a vocês, assaltantes das ruas de Quixadá, é uma abordagem mais razoável, menos violenta.

Entendam que temos sonhos, famílias, projetos de vida, a maioria de nós tem empregos saudáveis, e não vamos arriscar nossas vidas por um celular, por uma bolsa, um relógio ou outra coisa qualquer que os senhores queiram nos tomar. Nisto, os senhores estão em vantagem quase que absoluta. Não há necessidade de nos agredir. Geralmente, a maioria de nós já se sente motivado a cooperar quando vê uma arma qualquer. Vocês não precisam nem aponta-las em nossa direção.

Outra coisa importante: sim, faremos um B.O na delegacia, porque, convenhamos, no fundo ainda acreditamos na recuperação de vocês e, não vamos negar, no calor da nossa convivência com os senhores, ainda desejamos vê-los presos pela polícia. Isto, porém, não justifica que os senhores tenham raiva de nós. Sempre se lembrem de que nós é que somos as vítimas, por favor.

Além disso, queiram se atentar para a necessidade de mais civilidade e menos barbaridade durante os assaltos. Puxa vida, senhores! Se entregarmos nossos pertences, que necessidade há de desferirem tiros contra nós? Pensem bem nisto, senhores. Se começarmos a supor que não importará entregarmos ou não nossas coisas, muitos de nós vamos começar a reagir. Imaginem, por um instante, que o aumento no número de reações aos assaltos pode ser desvantajoso para o “negócio” dos senhores. Portanto, não precisam atirar em nós depois que nos roubarem. Preferimos apenas ficar tristes por alguns dias por termos perdido dinheiro ou objetos e, também, pelo nosso estado fracassado, do que irmos visitar o pai celestial antes da hora certa.

Na esperança de termos uma relação mais tranquila, sugerimos que aceitem atuar com mais serenidade em seus assaltos. Vocês estão assaltando cidadãos comuns, não agentes militares treinados para reagir. Vamos com calma.

Finalmente, queiram entender que as coisas andam difíceis no Brasil. O governo quebrou nossa economia. Não esperem encontrar em nossos bolsos ou carteiras mais do que alguns trocados. Tenham paciência com nossa falta de recursos.

Sem cordialidade,

Os cidadãos de bem das ruas de Quixadá

Observações do autor: Esta carta aberta é, na verdade, mais um protesto contra a ineficácia dos serviços de promoção da segurança pública em nosso Estado do que propriamente uma comunicação séria com os assaltantes. Quando os cidadãos se veem dispostos a este tipo de diálogo, é porque tem falhado miseravelmente nossas linhas normais de defesa. Pagamos impostos para que? Para sermos reféns do crime e para termos que pedir regras de convivência com bandidos em nossas ruas?

Por Gooldemberg Saraiva