POLÍTICA - Diante da forte reação do empresariado e do Congresso, inclusive da base aliada do presidente Michel Temer, contra o aumento do Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas, o governo decidiu recuar. Em nota divulgada na noite de ontem, o Palácio do Planalto informou que não encaminhará ao Legislativo qualquer medida nesse sentido. No texto, que foi costurado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com a presidência, o governo destaca que o foco continua sendo o reequilíbrio das finanças públicas por meio de cortes de gastos.
No início do dia, parlamentares já apontavam que o governo não conseguiria apoio para aprovar a criação de alíquota de 30% ou 35% para pessoas físicas que ganham salário acima de R$ 20 mil.
Atualmente, a alíquota é calculada de maneira progressiva de acordo com o salário do contribuinte. Em vez de pagar uma porcentagem que incida sobre o total de seu salário, a contribuição é feita por faixas salariais. Por exemplo, um trabalhador que ganhe até R$ 4.664,68 vai ser taxado em três faixas salariais diferentes, pagando assim três alíquotas diferentes sobre a mesma renda.
A medida estava em estudo na área econômica para reforçar o caixa da União no ano que vem e assegurar a meta fiscal, de déficit primário de R$ 129 bilhões. A situação só piorou após o próprio Temer admitir em um evento em São Paulo que a elevação estava em estudo.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presente no mesmo evento, disse que a medida não seria aprovada se chegasse à Casa, enquanto o vice-líder do governo, deputado Beto Mansur (PRB-SP), classificou a ideia como “tiro no pé”:
— A gente tem que diminuir despesa. Aumentar imposto sobre pessoa física ou jurídica nesse momento é um tiro no pé.
— Será muito difícil aprovar qualquer aumento de impostos — disse o líder do PSD, Marcos Montes (MG).
— Aumento de IR não passa na Câmara. Outros, temos que ver. A reação é muito grande — emendou o líder da maioria, deputado Lelo Coimbra (PMDB-ES).
Assessores de Temer foram surpreendidos com a admissão pelo presidente de que a medida estava em estudo. Para reduzir o estrago, Temer conversou com o ministro da Fazenda e foi feita uma articulação para “sepultar” a proposta.
“A Presidência da República não encaminhará proposta de elevação do Imposto de Renda ao Congresso Nacional. O presidente Michel Temer fez hoje menção genérica a estudos da área econômica, que são permanentemente feitos. Esclarecemos que hoje esses estudos estão focados prioritariamente em reduzir despesas e cortar gastos, na tentativa obstinada de evitar o aumento da carga tributária brasileira. E com esse foco o governo federal continuará trabalhando”, afirmou a nota.
— Proposta para aumentar imposto não passa no Congresso, nem neste ano, para vigorar em 2018, nem no próximo, em 2019. É uma medida estéril, inócua e só serve para tumultuar — admitiu um interlocutor do presidente Temer.
OUTROS AUMENTOS EM ESTUDO
O empresariado também reagiu. O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, disse que é contra qualquer aumento de imposto como alternativa para que o governo cumpra a meta fiscal. A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) também se manifestou, em nota, dizendo que repudia “veementemente” a possibilidade de aumento do imposto.
— O que precisam os técnicos do Ministério da Fazenda, bem como os técnicos do Ministério do Planejamento, é buscar mais eficiência, cortar desperdícios, cortar gastos e não pensar em aumento de impostos — disse Skaf.
Durante o lançamento do programa Produlote, da Caixa Econômica Federal, o presidente Michel Temer ouviu do presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Flavio Amary, um apelo direto.
— A gente vê o esforço do governo federal para diminuir o peso do Estado e o volume de despesas. E esse é o apelo que faço, que a gente não tenha notícia de aumento de impostos. Por favor, presidente, vamos continuar com este foco e não falar em aumento de impostos aqui e acolá.
À noite, pouco antes de a Presidência da República negar que pretenda enviar proposta de aumento do IR ao Congresso, Meirelles, reafirmava em evento em São Paulo que estudava a possibilidade de elevar a até 35% a alíquota do IR.
— É apenas uma medida em estudo dentro do governo, e nenhuma decisão está tomada. Mas é importante que se mencionem estes estudos para que a sociedade saiba o que está sendo discutido no governo. A reação é legítima, as pessoas têm que se manifestar mesmo. Às vezes posso concordar com a reação ou não. Mas é importante colocar que está sendo discutido. O governo não pode causar surpresas na população o tempo todo — afirmou.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também comentou a medida:
— Claro que é sempre melhor cumprir a meta reduzindo a despesa. A última alternativa deve ser aumentar imposto.
Houve protestos ainda dos sindicatos. Para a CUT, “Temer quer ampliar gastos de forma imoral em troca de favores para se manter no cargo a qualquer preço. Ampliar impostos para esse fim é inaceitável”. A central, em nota, acrescentou: “Toda ampliação de recurso deve ser utilizada para garantir o crescimento econômico, geração de emprego e renda”.
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, por nota, considerou a medida “uma punição para o assalariado” e defendeu a taxação de lucros e dividendos de pessoa física. “Até 1995, incidia alíquota de 15%; hoje, somente Brasil, Estônia e Eslováquia concedem isenção”, afirmou o sindicato.
A criação de uma alíquota adicional de IR para pessoas físicas é apenas uma das ações que estão sobre a mesa para tentar fechar as contas em 2018. Outros aumentos de tributos podem ser propostos caso o governo opte por manter a meta fiscal do ano que vem. Os técnicos da área econômica já sabem que o rombo projetado para 2018 está muito acima do déficit de R$ 129 bilhões e que, se os parlamentares não aceitarem aprovar aumentos de tributos e projetos de redução de gastos, como adiar o reajuste do funcionalismo, a mudança da meta será inevitável.
RISCO PARA PREVIDÊNCIA
Interlocutores da área econômica também dizem que não se pode ter uma situação em que o Congresso discursa contra aumentos de tributos e, ao mesmo tempo, dá benesses por meio de ampliações de benefícios para empresas e devedores fazendo alterações em textos de medidas provisórias (MP) do ajuste fiscal, como a da reoneração da folha e do novo Refis.
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