Vítimas relatam constrangimento e medo, mas mostram cada vez mais coragem para denunciar
SÃO PAULO - Atordoada, assustada, traumatizada, aos prantos, desesperada. A reação muda, mas o crime é o mesmo – assédio sexual – e vem crescendo no transporte público da capital paulista. Em 2016 foram mais de quatro casos, em média, por semana. Se forem considerados os últimos quatro anos, o número de boletins de ocorrência registrados por estupro, ato obsceno, importunação ofensiva ao pudor e estupro de vulnerável avançou 850%.
Entre 2013 e 2016, as denúncias saltaram de 23 para 219 em ônibus municipais, trens da Companhia do Metropolitano (Metrô) e da Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos (CPTM), conforme dados obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação. A maioria dos casos aconteceu no Metrô e na CPTM. Em 2016 foram 188 relatos em trens e 31 em ônibus.
O assédio é, historicamente, um dos crimes com mais subnotificação. Envergonhadas com a situação, muitas vítimas simplesmente não fazem o registro da ocorrência. Os dados mostram, porém, que as mulheres têm procurado cada vez mais as delegacias de polícia.
Após uma série de episódios de assédio sexual no Metrô virem à tona, motivando protestos de grupos feministas nas estações, o Metrô criou uma campanha em agosto de 2015 que incentiva a denúncia de passageiros. Cartazes espalhados nas estações, com fotos de agentes de segurança, passavam a mensagem: “Você não está sozinha”.
No primeiro semestre daquele ano, um homem ejaculou nas pernas de Shirlândia Mendes, hoje com 29 anos, em um vagão da Linha 3-Vermelha. Ela estava a caminho do trabalho, por volta das 7 horas, quando sentiu uma pressão nas costas. Quando as portas abriram na Estação Pedro II, percebeu o que havia acontecido. “Eu me virei e vi a minha perna toda suja. Ele estava fechando o zíper da calça. Na hora, me desesperei e comecei a gritar pedindo ajuda”, diz.
Acabou socorrida por outros passageiros, que seguraram o agressor no vagão. Todos desceram na Estação Sé e agentes de segurança prestaram apoio. “Antes de ir à delegacia, fui ao banheiro para lavar minhas pernas. Estava muito atordoada, muito assustada. Minhas pernas estavam bem sujas, ficou escorrendo. Mas, como não tinha roupa para trocar, continuei de bermuda para ir fazer o boletim de ocorrência”, relata ela.
O episódio foi tão traumatizante para Shirlândia que ela parou de trabalhar e ficou um ano sem conseguir entrar no Metrô sozinha. “Saí do serviço porque não queria mais pegar aquele trajeto. Fiquei com medo de encontrá-lo de novo, com medo de que pudesse ter ficado com raiva e quisesse se vingar. Então, resolvi parar por um tempo. Dois anos depois, agora consigo andar de metrô sozinha.”
Ela decidiu ir além do boletim de ocorrência e entrou na Justiça contra o Metrô, pedindo indenização de R$ 20 mil. Conta também que decidiu denunciar, processar o governo e até se identificar nesta reportagem para servir de exemplo a outras mulheres. “Temos de abrir a boca e falar mesmo, precisamos nos impor. Nós não somos culpadas disso.”
Segundo Shirlândia, muitas amigas relatam casos semelhantes, mas sentem falta de uma rede de apoio e não vão além da indignação. Uma das alternativas, aponta, é o aumento do número de agentes de segurança nos vagões. “Deveria haver mais guardas dentro do vagão porque ficamos muito expostas.”
‘Coragem’. O assédio a uma atendente de telemarketing de 21 anos, que preferiu não se identificar, aconteceu no retorno do trabalho para casa, também na Estação Dom Pedro. Ela conta que um homem parou ao seu lado com uma mochila na mão e começou a levantar a bolsa, passando no meio das suas pernas. “Ele passou a mão nas minhas pernas, na minha coxa, então saí de perto”, diz.
Ao abordar o homem, viu que ele havia feito fotografias e vídeos do seu decote. “Chorei muito quando o segurança pegou ele. Acho que as mulheres têm criado mais coragem para ir em frente e denunciar.”
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