por Irailton Menezes/Ivan Bezerra - Repórteres
Ser um torcedor fiel no dito "País do Futebol" não é novidade. Ir ao estádio, comprar a camisa do clube e comentar diariamente sobre a rotina do time com os amigos é comum. Fato que não se aplica a três figuras bem conhecidas das arquibancadas do futebol cearense: Valdeci Cordeiro, (apaixonado pelo Ceará), Jocelito Gonçalves Carneiro, ou simplesmente "Campeão" (ídolo, fora de campo, da torcida do Fortaleza) e Aguiar Martins, para muitos conhecido apenas como o "Corneteiro" da Barra (sempre ao lado do Ferroviário).
Nos três casos, a admiração pelo clube do coração começou bem cedo, por influência da família. "Quando tinha cinco anos, meu pai me levou para o Castelão e perguntou, olhando para as arquibancadas: Filho, quais são as cores mais bonitas ali? Logo respondi que eram preto e branco. Foi nessa hora que comecei a amar o Ceará", recorda Valdeci, hoje com 44 anos.
O admirador do Alvinegro costuma não só ir aos jogos, mas também frequentar os treinos em Porangabuçu. Para ir ao Castelão, o torcedor não encontra muita dificuldade, já que mora em um bairro vizinho (Passaré). Mas quem disse que ele se importa de ir caminhando até Carlos de Alencar Pinto em dias de treinos? "Eu saía de casa cedo, todos os dias, até o dia em que o Vavá (então jogador do Ceará) me deu uma bicicleta de presente. Infelizmente, não a tenho mais, mas fazer o que, não é? O mais importante é a vida da gente", comenta o torcedor.
Objeto inusitado
Conhecido pela massa alvinegra há bastante tempo, Valdeci não poderia deixar de lembrar de um dos momentos mais atípicos em sua trajetória pelas arquibancadas. "Foi em 1996. O Ferroviário vencia o Ceará por 1 a 0, no Presidente Vargas. Teve uma falta no jogador do Ceará, mas o juiz, César Augusto, entendeu que foi a favor do Ferroviário. Eu, muito chateado, procurei um objeto pra jogar no campo. Olhei para o chinelo e disse; 'esse não'. Aí olhei para o rádio e disse: 'também não'. Daí pensei e achei mais fácil jogar os dentes. Isso mesmo: joguei a minha dentadura na direção do árbitro", relembra Valdeci, sem qualquer sinal de arrependimento.
Amor inegociável
Do bairro Vila União, vem um dos torcedores mais apaixonados pelo Fortaleza: Jocelito Gonçalves Carneiro, o popular "Campeão". Tendo trabalhado como servente de pedreiro na juventude, certa vez, conseguiu demolir uma viga muito maciça, feito que nenhum de seus colegas de profissão haviam conseguido. De imediato, recebeu o apelido, dado pelo engenheiro da obra: "Esse é um campeão". E pegou.
Seu jeito simples, com palavras não muito bem pronunciadas, mas saídas do coração, fez dele o xodó de muitos torcedores do Fortaleza. Em suas atitudes espontâneas e sua risada cheia, fica difícil não enxergar pura devoção ao Leão.
Ao frequentar o Estádio Presidente Vargas, desde quando as arquibancadas eram de madeira, seu amor pelo Tricolor, conta, surgiu de um clube que tinha as mesmas cores, o Nacional. "Foi amor à primeira vista", lembra ele, com o sorriso aberto. E é bom não duvidar, porque, pelo Fortaleza, ele já trocou até de mulher. "Gostava de uma viúva do bairro Jardim Iracema e quando fiquei viúvo também, a gente se casou. Quando foi um dia, ela estava achando graça. Perguntei: mulher, que é que tu tanto acha graça? Ela respondeu: é porque o Ceará ganhou. Eu disse a ela: pois fique com o seu Ceará, que vou embora agora". E foi mesmo. Até hoje, aos 71 anos, ele considera inconcebível, para ele, viver com uma mulher que torça por outro clube que não o Leão do Pici.
Outro dia, num jogo em Quixadá, Campeão se revoltou contra a marcação de uma falta, dada por um bandeirinha. Não pensou duas vezes: sacudiu um chinelo novinho, comprado no dia anterior, nas costas do assistente. Só não foi preso na hora porque os amigos advogados, Mauro Castelo e Carvalho Júnior, ao lado do antigo camarada Araújo, líder da Corações de Leão, impediram. "Levar o Campeão só por causa disso? Se for assim, iremos também presos", bradaram alguns torcedores, em apoio ao folclórico colega.
Campeão é um torcedor talhado em outros tempos. Ele lembra que na sua época de juventude as torcidas de Ceará e Fortaleza iam a pé para o Clássico-Rei, juntas, como se amassem o mesmo clube. Até hoje não esquece os amigos tricolores "das antigas", como Luís Rolim Filho, Jackson de Carvalho, Nestor Falcão e a famosa Charanga do Gumercindo, famosa na época.
Mas seus amigos não ficaram apenas no passado. Sua forma original e espontânea de torcer é admirada pela juventude atual. Sempre presente aos programas de torcida, ele conquistou o carinho de vários líderes de arquibancada atuais, como Emanuel Magalhães, da Fiel Tricolor, e está sempre rodeado de jovens.
Mágoa com árbitro
Desde os anos 1990 que Campeão não falava com o ex-árbitro Dacildo Mourão, que anulou um gol do Fortaleza contra o Ceará, no Castelão. "Encontrei o Dacildo e ele me pediu perdão pelo erro. Eu o perdoei", relembra o tricolor, que não ia ao Castelão desde então, por conta da tristeza pelo ocorrido.
O suposto erro teria custado um turno do Estadual. Mas Campeão promete voltar agora, no grande jogo pelas quartas de final da Série C do Brasileiro, contra o Brasil/RS.
Sua maior alegria com o Fortaleza foi a vitória do Leão sobre o Bahia, no PV, pela Taça Brasil, lá pelos anos 1960. "Foi um jogo numa quarta-feira à noite e a alegria foi grande no estádio", lembra o fã irremediável.
Corneteiro
A paixão desmedida não fica restrita apenas ao Clássico-Rei. O Ferroviário também tem seus fãs ardorosos. Assim é o seu Aguiar Martins de Andrade, de 68 anos e louco pelo Ferrão. "Quando chego no estádio, a torcida diz logo 'lá vem o barulhento'", reconhece ele, se referindo à forma como se relaciona com o clube do coração: disparando para o ar o barulho de sua famosa buzina nas arquibancadas. Apesar do barulho, é muito querido pelas torcidas uniformizadas Falange Coral e Chopp Coral.
"Passei a torcer Ferroviário quando tinha dez anos de idade. Cheguei do Ipu para morar em Fortaleza. E num jogo do Ferroviário contra o Calouros fui levado por um irmão meu para o estádio. Foram as cores do Ferroviário que me ganharam. Não foi nem o jogo, na hora", admite.
Seu Aguiar ainda relembra a maior alegria sentida com o Tubarão da Barra. "Ganhamos o Campeonato Cearense de 1968, então, confeccionamos uma faixa intitulada "Ferroviário, a alegria do povo" e saímos do PV a pé, percorrendo várias ruas do Centro até chegar à Praça do Ferreira. Lá, foi uma alegria total, com todos se confraternizando", rememora o "corneteiro". Mas nem tudo são flores. Em um jogo do time coral no antigo Castelão, seu Aguiar ia entrando com sua corneta quando um policial a tomou. Sem se fazer de rogado, ele improvisou outra, sua companheira até hoje.
"Minha corneta é minha fiel companheira nos jogos do Ferroviário e meu amor pelo clube é o mesmo que tinha quando era jovem"
Aguiar Martins, O 'Corneteiro' do Ferroviário
Aguiar Martins, O 'Corneteiro' do Ferroviário
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